CANCRO DA MAMA
De acordo com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, “O cancro da mama é uma das doenças com maior impacto na nossa sociedade, não só por ser muito frequente, e associado a uma imagem de grande gravidade, mas também porque agride um órgão cheio de simbolismo, na maternidade e na feminilidade.”
ENTREVISTA A ELISABETE MORAIS
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“Nunca pensamos que nos vai acontecer a nós”
Descobriu em 2006 que tinha cancro da mama. Como foi toda a descoberta e o que mais a assustou em todo o processo de conhecimento da doença?
Na altura eu tinha 34 anos e confesso que não estava muito por dentro do assunto porque não conhecia ninguém que tivesse passado por isto. Ouve-se falar mas nunca pensamos que nos vai acontecer a nós. Foi um bocado sem saber que descobri porque na altura, como eu era nova, não tinha por hábito apalpar o peito e nem sequer pensava nisso, mas houve uma altura em que notei que tinha qualquer coisa debaixo da mama esquerda e quando me deitava ficava mais saliente, mas não pensei que fosse cancro e até desvalorizei bastante. Isto aconteceu em agosto e em setembro a minha filha precisou de um papel do médico para levar para a escola e eu tive de la ir para assinar o papel. Quando lá fui disse à doutora que parecia que tinha um caroço na mama e ela mostrou bastante desinteresse sobre o assunto. Apesar disso eu insisti na mesma para que ela desse uma vista de olhos e ela lá viu e disse-me que podia ser um quisto daqueles que desaparece com o tempo. Mesmo assim eu fiquei com as minhas duvidas e insisti, mais uma vez, para que ela me passasse uma credencial para fazer exames, até porque nessa altura eu tinha uma colega no trabalho que estava a passar por isto e então queria tirar as duvidas e ficar mais descansada. A doutora passou-me então o exame e quando eu o fui fazer acusou qualquer coisa e tive de ir o mais rápido possível à minha médica de família porque teria de fazer uma biopsia para perceber o que realmente era.
Fiz a biopsia no hospital da amadora e ainda demorou uns dois meses até se saber o resultado. Assim que ele saiu marcaram-me logo uma consulta e fui acompanha com os meus pais. Entrei no gabinete com a minha mãe e só havia uma cadeira. A doutora disse para eu me sentar porque as noticias não eram muito boas. Foi ai que ela me disse que eu tinha um cancro ductal evasivo. Lembro-me que na altura a minha mãe ficou pior que eu, porque ela estava mais informada acerca do assunto, então percebeu logo o que se estava a passar.
A minha reação foi dizer à médica que fosse o que fosse eu não podia por baixa no trabalho pois estávamos perto do natal e a minha chefe matava-me. Foi ai que aa médica me disse que eu não estava a perceber a gravidade da situação porque sendo um cancro evasivo, espalhava-se muito rápido e então eu tinha de ser operada o mais rápido possível. E foi assim que tudo começou.
Quanto tempo duraram os tratamentos e como foi o processo de aceitação a nível emocional ?
Os tratamentos duraram 7 meses. A primeira coisa que senti quando a médica me disse que eu tinha cancro foi medo, porque torna-se uma incerteza quanto aquilo que nos reserva o futuro. Depois disso, e eu acredito que haja pessoas muito compreensivas e tolerantes quando recebem estas noticias, a palavra que mais me definia naquela altura era revolta. Posso dizer que sou muito devota de Nossa Senhora e naquela altura eu deixei de rezar. Gosto muito de ir a Fátima e naquela altura não fui, alias eu estive uns 3 anos a seguir sem lá ir. As perguntas que mais me passavam pela cabeça eram o que é que eu tinha feito para merecer estar a passar por isto e porque é que tinha de me acontecer a mim. Depois disto veio toda aquela parte da tristeza e da ansiedade porque eu sabia que a minha vida ia mudar e tinha medo de como iam ser os tratamentos e de que eles não resultassem.
Eu tive um acompanhamento muito grande das minhas amigas e foi o que me valeu muito nessa altura, mas havia uma palavra que eu já não suportava ouvir que era força. As pessoas diziam-me para ter força cada vez que me ligavam, cada vez que me mandavam mensagem e eu já não aguentava ouvir aquilo. As pessoas diziam-me “vais perder o cabelo mas não penses nisso, depois ele volta a crescer” ou “vai correr tudo bem, não te preocupes” mas eu só pensava que não estava a passar o depois, eu estava a viver o presente e era no presente que o meu cabelo ia cair e eu só queria que percebessem a minha dor naquele momento.
O que mudou na Elisabete após vencer a doença ?
Penso que há coisas que as pessoas dão muita importância e que na verdade não a merecem e isso a mim acontecia-me muito. Quando me chateava com alguém quer no trabalho, quer em casa levava muito a peito e agora não sou assim. Hoje em dia desvalorizo muito essas coisas e só dou a devida importância às coisas que são realmente importantes. No fundo tento não perder energia com aquilo que não vale a pena.
Como ganhou forças para superar esta doença ?
Na altura, namorava com um rapaz, que hoje já não é o meu companheiro, mas que se ele não estivesse estado na minha vida, naquele momento eu acho que não tinha superado isto tão bem. Acredito que há pessoas que se sentem muito sozinhas. Há mulheres que estão acompanhadas mas que na verdade, é aquilo que eu chamo de solidão acompanhada porque não têm uma palavra de compreensão ou aquela força de uma pessoa te dizer que ficas linda sem cabelo e isso é muito importante de ouvir. Eu estava sem a mama e sem o cabelo e sentia-me a pior coisa do mundo mas se alguém nos diz que somos lindas, que não se nota nada, que só eu é que sei que a mama não está lá, isso é tão importante e eu acredito e seu que há mulheres que não têm isso. Eu tive muita sorte.
Pouco tempo depois de descobrir que tinha cancro disseram-lhe que teria de retirar o peito. Qual foi a sua reação?
Eu soube o resultado a 20 de novembro. Na consulta a médica disse-me logo que na sua opinião, retiravam-me a mama toda. Quando ouvi isto disse logo que queria pedir uma segunda opinião e fiquei muito assustada. Uma pessoa com 34 anos ouve dizer que lhe vão retirar o peito e ainda por cima eu nem tinha conhecimento de ninguém que o tivesse feito. Comecei logo a pensar que era uma situação muito grave e o que me veio à cabeça era que não ia conseguir criar os meus filhos, que na altura tinham 6 e 12 anos. Lembro-me de começar a chorar e de a minha médica me dizer que eu agora não podia ir para casa a chorar e a dizer que tinha cancro porque tinha dois filhos pequenos e a palavra cancro está muito associada à morte. As crianças cada vez mais têm acesso à internet e ouvem falar das coisas e para uma criança ouvir que a mãe está com cancro é muito mau, elas vão pensar que a mãe vai morrer. Com o desenvolver das coisas os meus filhos acabaram por saber que eu tinha cancro. Eles sabiam que eu ia ser operada e que ia retirar alguma coisa da mama mas só quando comecei a fazer a quimioterapia é que eles souberam pelo nome. Eu acho que isto que a minha médica disse foi tão importante e eu nunca me vou esquecer porque fez-me perceber que ela tinha razão.
Quais as maiores inseguranças que sentiu após retirar o peito?
Eu olho para trás e vejo que não posso pensar no bocado que me tiraram, porque a verdade é que me retiraram a mama toda. Hoje em dia, acho que já não o fazem desta forma. Preservam a pele, mesmo quando fazem mastectomia, que foi o que eu fiz, ou seja, não tiram a pele nem o mamilo, mas a mim a médica não preservou essa parte. Então a mama, que na mulher é uma coisa tão feminina, pelo menos eu penso assim. Só mais tarde é que fiz a reconstrução. Quando estamos naquele momento vem um medo muito grande e tu pensas será que vou continuar a ser a mesma pessoa?! Com 34 anos eu pensava que nunca mais me ia conseguir despir à frente de ninguém porque fiquei tão diferente de uma mama para a outra. Esta era a minha maior insegurança. Cheguei a pensar que nunca mais ia conseguir ter uma vida normal, mas com o tempo e com a ajuda dos médicos comecei a aprender que tinha de dar valor a outras coisas. Se eu não tivesse tirado a mama naquela altura eu poderia não ter tido hipóteses de me salvar. A verdade é que eu não podia ficar agarrada aquela parte do meu corpo que ficou pelo caminho, eu tinha de pensar era na parte que ainda cá estava.
Acha que as mulheres estão cada vez mais preocupadas com a prevenção ou só pensam neste assunto quando são obrigadas a lidar com ele?
Eu acho que é um bocado as duas coisas. Há aquelas pessoas que não têm esse cuidado ou que, talvez por medo, tentem não pensar muito nesse assunto. As vezes dou comigo a tomar banho e a pensar que tenho qualquer coisa na mama mas depois penso que não vou mexer mais e que são coisas da minha cabeça. Como já passei por isso tenho sempre mais receio. Mas também acredito que há aquelas pessoas que estão sempre a ver e inclusive já falei com pessoas que dizem fazer a apalpação, pelo menos uma vez por semana.
Como lidou a sua família mais próxima com todo este processo?
Eu tinha-me divorciado em fevereiro desse ano e então nessa altura vivia sozinha com os meus filhos. Tinha um namorado mas ele não vivia comigo. Quem me acompanhou sempre foram os meus pais. No dia em que fui saber o resultado do exame, os meus pais foram comigo. O meu pai ficou lá fora na sala de espera e a minha mãe entrou para o gabinete médico. Quando saímos ela vinha muito mal e o meu pai percebeu logo que a noticia não era boa. Eu soube no dia 21 e no dia 28 já estava no bloco operatório pronta para ser operada e ai a minha mãe ajudou-me imenso com os meus filhos. Quem me acompanhava sempre em todas as consultas era o meu pai. A médica já me tinha dito que eu ia ficar mal disposta, que ia vomitar e que o meu cabelo ia começar a cair. No primeiro dia em que fiz quimioterapia, o meu pai entrou comigo para a sala de tratamentos e sentou-se ao meu lado. A enfermeira colocou-me o cateter e veio com um saco com um liquido vermelho, que eu nunca mais me vou esquecer. Quando me meteram aquilo comecei a sentir um calor enorme no corpo e pedi para me tirarem aquilo mas a enfermeira disse que não podíamos parar. O meu pai sofreu tanto. Eu olhava para a cara dele e parecia que era ele que estava a levar com o tratamento. Eu via o sofrimento nos olhos dele e isso custou-me muito. Das próximas vezes que fui dizia ao meu pai que ia sempre acompanhada e cheguei a mentir-lhe duas vezes. Disse-lhe que uma colega ia comigo mas ela não foi e eu fui sozinha porque não queria ver o meu pai a sofrer.
Acha que o facto de varias mulheres partilharem as suas historias em relação ao cancro ajuda? Em que aspetos?
Sim, sem dúvida. A mim caíram-me as unhas dos dedos dos pés e quando nasceram ficaram sempre feias. Quando vem o verão eu penso sempre como é que vou calçar umas sandálias com os pés assim e se calhar há tantas pessoas com esse problema. Se houver um sitio onde as pessoas possam ler certas coisas ou pessoas a partilhar as suas experiencias para que outras pessoas vejam que afinal não são só elas que estão a passar por isso acho que é muito positivo.
Para terminar, há alguma mensagem que queira transmitir a outras mulheres que possam estar a passar pelo mesmo ?
Aquilo que eu acho que as pessoas têm de ter, acima de tudo, é pensamentos positivos. Temos de ter sempre aquela esperança de que as coisas vão correr bem e tentarmos estar sempre perto das pessoas de quem gostamos. Eu não concordo nada com aquelas pessoas que se isolam e que não querem falar com ninguém. As pessoas não devem fazer isso, devem tentar estar distraídas com outras coisas e agarrarem-se à esperança. Se com outras mulheres correu bem comigo também vai correr, é esse o pensamento que devemos ter.
CANCRO DO COLO DO ÚTERO
O cancro é um problema que afeta não só a saúde física como também o estado emocional de uma pessoa. Em questão do cancro do colo do útero, embora vivenciado e sentido de forma diferente desde o diagnóstico, tratamento e após o fim do tratamento por cada mulher, existem algumas reações em comum, desde a ansiedade; depressão; medo do futuro; revolta e sentimento de injustiça; insegurança quanto à aparência; diminuição da autoestima e sensação de perda de identidade; medo de infertilidade e de ser menos feminina, já que a figura do útero representa a sexualidade, a feminilidade e a capacidade de reprodução. Até aos aspetos sociais, nomeadamente o medo de abandono e rejeição pelo companheiro, amigos e familiares; sentimento de inadequação social, principalmente quando se torna necessário afastar-se do trabalho e de atividades diárias.
Porém, independentemente do sofrimento e receio que possam estar a sentir, nem todos os sentimentos são negativos. Graças ao apoio por várias associações, ao suporte que várias mulheres oferecem umas às outras, atualmente já se é sentido uma maior aceitação e força de vontade para vencer o cancro.